domingo, 10 de março de 2019

Vou trabalhar meu bem querer

Em 1995, eu mal tinha 6 pessoas para quem enviar um email, mas já estava em uma rede social chamada Community Ware. Era pouco mais do que um fórum de debates, mas as pessoas podiam ingressar em comunidades para se conectar com pessoas com mesmo interesse.

Não sei se a proposta era muito nova ou eu que tenho interesses muito específicos, mas as comunidades das quais eu participava não chegavam a ter 12 pessoas.

Logo me desinteressei por aquilo e meus contatos com pessoas estranhas pela internet se restringiram às salas de Bate-Papo, onde tinha que conviver com pessoas que se apelidavam de "Moranguinho", "Zé Colmeia", sempre seguidos de números, e outros que tais. Naquela época já se discutia a valentia das pessoas que se escondiam atrás do, até então absoluto, anonimato da internet.

Aí descobri o mIRC. Tinha canais onde pessoas tinham interesses comuns, não tinha toda a resolução gráfica dos chats, era pra conversar (ou paquerar, a depender do canal). E tinham os moderadores. Eram os criadores dos canais e pessoas designadas por eles que fiscalizavam quem se comportava inadequadamente e colocavam pra fora ou até baniam do canal.

A conversa fluía bem, especialmente no privado. Em geral, pedia-se a foto da pessoa e o tempo em que ela demorava para baixar, as pessoas já tinham trocado nome, endereço, telefone, identificados amigos em comum, o que esperavam do futuro... Quando se viam (depois de pedir a segunda foto, porque a primeira era de modelo pega na internet), já eram grandes amigos ou estavam namorando.

Não demorou para surgirem regras e mais regras de comportamento nos canais e moderadores que adoravam mostrar o grande poder que tinham de banir as pessoas. Havia casos de moderadores perderem o status por abuso de poder. Se tornou um lugar insuportável, e já estavam bombando comunicadores instantâneos como ICQ, Yahoo e MSN, com possibilidade de incluir amigos e desconhecidos também.

Até que surgiu o orkut. No Brasil, virou febre. Um lugar que só entrava com convite é um orgasmo para um brasileiro.
Já vinha a foto da pessoa, dizia quem eram os amigos dela, de quais comunidades ela participava e outras coisas. Quem nunca mandou uma mensagem secreta por depoimento e se desesperou quando a pessoa aprovou e tornou pública? Quem nunca se irritou com aqueles pokes? E logo depois fez um poke? No orkut, em grande parte, não tinha anonimato. Ainda que mentisse nome e foto, você tinha que ter um email vinculado, era sempre possível rastrear. Falo isso da nossa percepção de leigo, uma vez que, na verdade, sempre foi possível rastrear o acesso. Bem verdade, é que quando era necessário a polícia fazer isso, dava em uma lan house.

Quando o Facebook surgiu, eu logo gostei. Não tinha tantas firulas quanto o orkut, e tinha como seguir notícia. Claro que logo vieram as críticas "vai mudar para o Facebook e depois vai mudar pro que substituir o Facebook?", "Cadê as comunidades?" e, o mais grave, "ninguém pode ver o quanto sou confiável, legal e sexy"!

Nunca me adaptei ao Twitter ou ao Instagram. Ficar publicando fotos não é pra mim e acompanhar uma enxurrada de mensagens curtas é desgastante.

Na era do Facebook, as coisas já estavam avançadas. Todo mundo achava que sua opinião era importante demais pra ficar só entre seu círculo de amigos e precisava expô-la ao mundo. E, pior que isso, sua opinião era mais importante que tudo: direitos individuais, estatísticas, honra e dignidade alheias, laudos de especialistas e até que a ciência.

Chegamos ao cúmulo de voltar a discutir a forma da Terra, como se isso fosse uma opinião.

O sócio do Facebook nesse papel de divulgar qualquer opinião foi o Whatsapp. E para corroborar as opiniões, criavam-se histórias falsas. A princípio eram "inocentes". Era uma história de uma criança doente, um homem que perdeu a família ou qualquer outra narrativa de sofrimento, a reviravolta que aconteceu e que descambava em uma lição de moral. Aí, quando você (no caso, eu) dizia que aquela história nunca aconteceu, o emissor dizia que não importava porque a lição de moral era bonita e válida. Ou seja, a validade da lição estava na história falsa, mas a pessoa dizia que a história, mesmo falsa, era válida porque ilustrava a lição.

Depois começaram a surgir as histórias falsas de horror. Seringas nos bancos de cinema e outras histórias que, por mais que repetidas de forma exatamente igual, mudando a cidade, eram sempre replicadas com um "aconteceu com uma amiga de um primo"... Evoluíram para histórias falsas com pessoas reais, sendo acusadas de crime. No mais bizarro dos casos, mataram uma dona de casa acusada de assassinar crianças de uma cidade em rituais satânicos, mesmo que ninguém tivesse ouvido falar de nenhum caso de crianças mortas na região.

Daí a coisa só piorou pra desgraça final que foram as eleições de 2018. Mas não se engane, você que compartilhou uma frase de Clarice Lispector, sem nunca conferir a fonte, fez parte disso.

Não quero parecer ser contra redes sociais. Pelo contrário, sou um usuário constante delas. Mas não gosto que elas tenham atrapalhado outras coisas. Para muitos, a capacidade de racionar por si próprio, para mim, a oportunidade de escrever no meu blog.

Sim, eu tenho um blog há muitos anos. Desde o antigo http://sigoadiante.zip.net, criado em 2004, sucessor da antiga, e sem qualquer rastro em mecanismos de busca, Lagartixa Rômipeije.

Tentei fazer do Facebook o sucessor do blog. Não deu certo. As pessoas não gostam de textão por lá. Tentei criar uma página https://www.facebook.com/sadiante/) e reproduzir os textos do blog. Teve alguma repercussão, mas o problema maior é que eu não parava mais pra fazer minhas postagens. Toda hora surge um assunto novo no feed e, em poucos segundos, eu posso fazer um comentário rápido pelo celular. Pra quê perder tempo escrevendo um texto enorme desses se eu posso fazer uma frase rápida e, a partir dos comentários, ir desenvolvendo a idéia?

Até que apareceu isso no meu feed de notícias: Pesquisa mostra impactos em usuários que param de usar Facebook

E eu pensei: será que não está na hora de dar uma pausa? Estou sentindo falta de escrever textos maiores, sobre o que penso e sinto, mesmo que não tenha um alcance tão grande quanto tem no Face. E mesmo que não sejam tão longos quanto esse.

Então é isso. Vou dar um tempo do Facebook.  Não sei se irei demorar 30, 60 ou mais dias. Também não sei se não vou sentir falta antes e voltar com 5 dias. Mas pretendo ficar fora o suficiente para manter um ritmo de escrita aqui. Pretendo escrever, no mínimo, uma vez por semana. Quem tiver um tempo e algum interesse, dá uma olhada no que tenho a dizer aqui no blog, que também tem local para comentar e para se inscrever para ser notificado das atualizações.


Um comentário:


  1. Caramba, quanta verdade! Viajei no tempo - fui moderador de cinco canais no mIrc. Viajei duas vezes para conhecer pessoas que comecei amizade por lá. Passei muito no Orkut, depois no face. Tbm não gosto do insta e do twitter. Gosto de textão, então serei assíduo aqui.

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Salvador sempre teve um público cativo de teatro que lota salas. Pelo menos, se estivermos falando de peças com atores globais. Não importa...