segunda-feira, 2 de julho de 2018

Cê vai de mal a pior... - 1ª parte

Eu não sei quanto tempo levou para o primeiro Homo erectus perceber que aquele fogo que o aquecia, afastava as feras e tornava os alimentos mais saborosos poderia ser usado na barba e cabelo do outro que o desagradava de alguma maneira, mas a verdade é que a humanidade sempre pega uma boa ideia e utiliza como ferramenta de poder, de se colocar em superioridade, de afastar o outro.


Algumas excelentes ações, surgidas nas últimas décadas para promover inclusão, estão sendo usadas no sentido extremamente oposto.

Vou falar de algumas delas aqui, em mais de uma postagem, a fim de evitar todos os protestos de uma vez só.

O politicamente correto surgiu como uma mudança de postura da sociedade em relação aos termos usados em relação a determinados grupos de pessoas que, apesar de não terem surgido com objetivo de ofender, foram adquirindo um sentido diferente do original e passaram, em muitos casos, a serem cruéis. "Aleijado" passou a ser sinônimo de deformado, incapaz, inútil. "Mongolóide" era muito mais associado a "imbecil" do que a alguém com Síndrome de Down (cujos traços físicos se assemelhavam aos Mongóis). Assim, a proposta era usar outras palavras, até então desassociadas dessas características negativas, a fim de não trazer uma visão depreciativa das pessoas. 

Louvável como exercício individual, o politicamente correto logo se deparou com algumas dificuldades quando tentou ser uma lei não escrita. 

Para começar, algumas das palavras depreciativas já passavam por um processo de resignificação pelos grupos excluídos, como viado ou bicha. Tentou-se criar a regra de que, se você for homossexual,tudo bem usar esses termos, mas se não for, não pode. Isso causa uma situação estranha em que, pessoas não homossexuais, que aceitam, convivem, gostam de homossexuais, que possuem laços de amizades, e que aprendem aquele vocabulário como algo normal, sem nenhum xingamento, se viam censuradas todas as vezes que falavam as palavras que ouviam de forma comum entre seus amigos.

A segunda questão é que, pessoas que passaram a maior parte da vida com um determinado conceito, se viam atacadas, de forma violenta, ao usar o termo "inadequado". Nem todo mundo que usa o termo "homossexualismo", o faz por associar a doença, mas apenas porque essa é a expressão que ouviram a vida inteira. A menos que essa pessoa esteja falando como autoridade, palestrante, publicamente, não há grandes necessidades da correção. E ela pode ser feita de forma educada, sem grandes escândalos. Apenas, na insistência da pessoa em usar o termo, após ser corrigida, pode-se dizer que ela está agindo de forma preconceituosa.

O politicamente correto avançou ainda em um sentido totalmente contrário ao que foi criado. Vejam, a ideia era pegar termos que, em sua maioria, foram criados sem qualquer intenção de preconceito, mas que com o passar do tempo foram deturpados e tinham um significado tão negativo que era constrangedor usá-lo, mesmo que sem intenção de ofender. Então, o problema era o significado popular daquela palavra, que era ofensivo.
Mas aí, os patrulheiros do politicamente correto começaram a desencavar os significados ocultos, originais, verdadeiros ou não, de palavras e termos que não eram usados com sentido ofensivo (pelo menos, não naquele momento ou até que os grupos retomaram essa questão). Foi assim que "lista negra", "denegrir" e "mulata", passaram a ser perseguidas e colocaram na cabeça das pessoas um sentido racista que nunca tinham percebido na palavra. Ou seja, o patrulhamento fez justamente o contrário do que o politicamente correto queria, eliminar palavras que foram deturpadas de seu sentido original para agredir, trazendo significados negativos para palavras cotidianas, usadas sem qualquer intenção depreciativa.

Uma das mais controversas é a palavra "mulata". Ninguém, em pleno anos 80, associava a palavra a mula. Ninguém chamava ninguém de mulata querendo xingar de mula. Se alguém usava o termo "mulata" de forma racista, estava usando na concepção que se tinha da palavra: de a pessoa ser descendente de brancos com negros, e não de ser uma mula.
Aliás, essa história de mulata vir de mula pode ser mais um equívoco, já que há mais de 8 séculos já se conhece o termo Muwallad (mualad, mulad) = mestiço do árabe com o ‘não árabe’, de onde parece te vindo o termo mulato = mestiço de branco com negro.

Outro grande problema do politicamente correto está detonando agora. No afã de descartar toda e qualquer palavra usada depreciativamente, ao invés de tentar uma resignificação delas, no Brasil, negou-se o uso do termo "preto", uma vez que as piadas racistas usavam e abusavam desse termo e das comparações. Passou-se a dizer que "preto é cor, negro é raça". Pra começo de conversa, preto é cor, branco também é cor. Nunca entendi bem o problema de ser cor. Já "negro" é adjetivo. Significa escuro. Então, essa questão etimológica nuca fez sentido. Mas como o "preto" para identificar o indivíduo estava carregado de acepções negativas, a ponto de as pessoas de recusarem a identificar como "preto", optou-se por valorizar o termo "negro" pouco usado por aqui. OK. Não foi a opção na época. Talvez achassem mais adequado do que resgatar o valor do preto. O lado negativo foi o patrulhamento que quase excluiu termos como "pretinho", "pretinha", "meu preto"... que sempre foram usadas carinhosamente. Mas eis que uns 30 anos depois disso tudo, surge uma nova questão. "Negro", ou seja "escuro", nunca foi usado tradicionalmente para os africanos ou seus descendentes. Esse termo, historicamente, foi usado para os escravos. Os portugueses, inclusive, chamavam os índios escravos de "negros da terra".
Por isso, a palavra "negro" é ofensiva para pessoas pretas na América e na África. O Brasil, ficou assim, em uma situação delicada. A palavra usada para representar a raça, foi justamente a palavra que é relativa à uma condição e não ao povo.

Na próxima postagem, vou m atrever a falar sobre "apropriação cultural", "lugar de fala", "representatividade" e outras boas ideias, que estão nos dividindo mais do que garantindo avanços.

Que PI é essa?

Salvador sempre teve um público cativo de teatro que lota salas. Pelo menos, se estivermos falando de peças com atores globais. Não importa...