domingo, 8 de dezembro de 2013

Cega, mas anda bem no escuro

Há uma idéia de que a justiça trata ricos de um jeito e pobres de outro. 

Não há como esconder que, onde se aplica uma subjetividade, as pessoas sempre olharão os outros de forma diferente em função de sua classe social. 

Exemplo: quando a lei diz que a pena X pode ser convertida em prestação de serviço. 
Pode ser que o juiz converta para o rico e não converta para o pobre. Mas veja que a lei não OBRIGA a converter. O pobre não pode dizer: "meu direito foi negado" porque ele não tem direito à conversão da pena. É uma faculdade que a lei dá ao juiz. 

Dessa forma, não há em verdade uma injustiça COM AQUELE PRESO, apesar de haver uma injustiça geral na forma de se aplicar a lei dentro dessa sociedade. 

Da mesma forma quando o juiz pode aplicar a pena de 4 a 8 anos, se ele aplica 8 para o pobre e 4 para o rico, o pobre não pode dizer que não deveria ter pego 8. O juiz sempre vai ter argumentos (alguns dos quais ele mesmo se convence) para ter agido assim. 

Porém, há uma questão mais séria. Quando a lei permite, por exemplo, que um preso sob determinada condição grave de saúde que não tenha atendimento no sistema carcerário goze de prisão domiciliar, ela não faculta ao juiz conceder ou não o benefício. O papel do juiz, nesse caso, é apenas analisar os documentos e, concluindo que se enquadra na situação, deve conceder o benefício independente de querer ou não. 

Então por que só os ricos conseguem esse e outros benefícios da justiça, enquanto pobres na mesma situação não conseguem? 

Porque os ricos possuem bons advogados que são pagos pra procurar todos os benefícios que eles tem direito, enquanto o pobre tem um defensor público que conhece o cliente na hora do julgamento e muitas vezes antipatiza com ele ou um advogado iniciante e inexperiente que não consegue analisar todos os casos, ou um porta de cadeia (na pior acepção do termo) que quer pegar um dindim e dizer que nesse país pobre é sempre tratado assim. 

Porque o rico pode contratar peritos para realizar laudos que esmiucem tudo que possa beneficiar seu cliente, enquanto o pobre espera um agendamento com um servidor público que não deve olhar com bons olhos ficar soltando bandido na rua. Essa disposição pode ser a diferença entre enfarte e cardiopatia leve, sem que com isso o laudo seja necessariamente forjado. 

Porque o escritório de advocacia do rico possui gente pra ficar no cartório durante todo o expediente seguindo a petição até que chegue nas mãos do juiz, quando não entrega diretamente ao próprio, enquanto a petição do pobre fica em cima de uma pilha de outras para, quem sabe um dia, passar da mesa de Maria de João e depois de outras 35 mesas parar na pilha de petições em frente ao juiz. 

Nesse caso, esse preso pobre está sendo, sim, vítima de injustiça, uma vez que ele tem um direito que sequer é encaminhado. Não é que a Justiça esteja tratando ele de forma diferente. A Justiça nem chega a saber que ele existe. 

Não há muito o que se fazer com relação à subjetividade, quando o juiz pode escolher, mas a escolha feita está dentro do que a lei permite naquele caso. Nos EUA, há casos de mostrarem que um juiz dava penas mais pesadas para negros do que para brancos. Mas para provar isso, tiveram que pegar reiteradas decisões desse juiz durante anos e anos e mostrar o número de casos semelhantes e convencer que não era uma coincidência. Trabalho difícil e com repercussões gravíssimas, pois todos os presos negros se sentiram no direito de pedir anulação de seus julgamentos ou revisão das penas, sendo que essa constatação não quer dizer, necessariamente, que eles não mereciam aquela pena. 

Para o segundo caso, a solução é mais abrangente, mas tem que começar mudando essa forma de pensar que a justiça sempre beneficia rico. Se encararmos que os ricos simplesmente estão podendo usar melhor o benefício que está disponível PARA TODOS, ao invés de repetir essa ladainha, passaremos a pensar em meios de fazer com que o pobre também possa pedir os benefícios dele. 

O primeiro passo é a educação. O brasileiro não tem idéia de como funcionam os três poderes da União. 
Os esquerdistas que têm convulsão quando se fala em EMC e OSPB e que acham que sociologia e filosofia abrangem todo o conhecimento necessário ao ser humano não mostraram a solução para fazer as pessoas pararem de cobrar de Dilma a condenação do assassino do garotinho, ou de exigir do judiciário mandar tal estuprador para a forca. 
É preciso um conhecimento básico do que faz cada poder e noções elementares do funcionamento de cada um. 

Aparelhar a defensoria pública, limitando o número de casos por procurador, para permitir que eles dêem o acompanhamento devido. 

Nomeação de advogados dativos. Cada escritório deveria cumprir uma cota de casos pro bono (gratuitos) proporcional ao tamanho do escritório. Eles teriam a opção de escolher os casos que fossem até eles ou aguardar que o juiz os indicassem. Se o juiz indicar um escritório que já está na cota, ele poderia recusar e o juiz escolheria outro. 

Punir exemplarmente os casos de clara negligência dos advogados. É um ponto sensível, que atinge a subjetividade, mas sendo os envolvidos operadores do direito, dificilmente alguém seria condenado sem que a negligência fosse explícita. O ponto ruim disso é sobrecarregar o judiciário com demandas de clientes insatisfeitos que sempre vão achar que seu advogado foi negligente. 

Enfim. Ideias há. Mas elas só serão levadas a cabo quando vencerem esse discurso sociológico de que o mundo quer sempre prejudicar o pobre. 

Que PI é essa?

Salvador sempre teve um público cativo de teatro que lota salas. Pelo menos, se estivermos falando de peças com atores globais. Não importa...