terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Só é possível filosofar em Alemão

As redes sociais fizeram mais pela educação brasileira do que as faculdades, doutorados e mestrados de que o governo tanto se orgulha de ter criado.
De repente, somos uma pátria de pensadores. Nas mas diversas áreas. Mais do que pensadores, somos escritores. E não precisamos nem pesquisar sobre o que queremos opinar. Abaixo tem um vídeo muito interessante sobre isso. Não é o foco dessa postagem, mas vale a pena ler, antes de continuarmos. Aliás, se tiver que escolher entre o texto e o vídeo, recomendo este, pois é muito mais interessante.



Mas, voltando ao que eu dizia. As pessoas não só adquiriram conhecimento para discutir com propriedade sobre tudo, como ainda aprenderam alguns estilos. O mais recente é a parábola, ainda que muitos compartilhem e elogiem chamando de "metáfora". Mas na verdade, se tratam de parábolas. A pessoa conta uma historinha, cujo desfecho coincide com o seu modo de pensar, levando os demais a compararem a situação da historia com a situação real e, assim, concluem que o mesmo raciocínio a ser aplicado na história deve ser aplicado à realidade.

O que as pessoas esquecem é que para isso funcionar a comparação tem que envolver todos os aspectos da situação. Uma comparação parcial, leva a uma conclusão equivocada, distorcida. Esse erro na construção da parábola nem sempre é por descuido, trata-se de má fé, mesmo.

Outro dia ouvi uma parábola que falava sobre uma mulher estar sendo estuprada. E da casa ao lado, um assaltante liga para a polícia. Aí o autor perguntava se a polícia não deveria fazer nada só porque o denunciante era um assaltante.
Logo, todos os sábios e filósofos do Facebook entenderam a comparação com o pedido de impeachment de Dilma e o fato de o denunciante ser Cunha.
Mas a comparação é inexata.

Sendo estupro um crime por demais hediondo para ser banalizado em comparações e para que, na discussão, não surja involuntariamente qualquer palavra que minimize esse crime, permitam-me usar outro.

Vamos usar o ROUBO. Aliás, para analisar a questão, não entendo porque usar o estupro, o roubo me parece muito mais fácil de comparar com a situação real, quase não precisamos de esforço. Então aqui vai a minha parábola, tentando colocar o máximo de comparação com a situação real, para podermos tirar nossas conclusões.

Havia um reino cuja sede era um palácio suntuoso. Os moradores do reino trabalhavam, pagavam os impostos que iam para o palácio e o rei fornecia a eles segurança e alguns serviços.

Esse reino foi vítima de uma feitiçaria. Durante doze horas do dia, todos os homens de bem do reino caiam em profundo sono. Nesse período, apenas malfeitores, ladrões, salteadores, ficavam acordados. Mas os honestos não sabiam disso. Pensavam que todos no reino dormiam igualmente nesse período.

Tendo metade do dia para andar impune, os bandidos cometiam pequenos delitos. Roubavam da comida dos moradores e, portanto, não precisavam trabalhar.  Quando o reino estava acordado, os moradores percebiam as diferenças. Sentiam falta de um pouco de farinha, de um pouco de carne, e acabavam tendo que trabalhar um pouco mais para suprir aquela falta.
Com o tempo, os bandidos se dividiram em duas grandes quadrilhas.
E uma das quadrilhas teve a ideia de ir saquear o palácio real. Em doze horas, eles retiravam pequenos objetos de prata e de ouro. E saiam sem que ninguém percebesse. A outra quadrilha continuou, sem saber dessa movimentação, saqueando a comida, só o necessário para sobreviver sem trabalhar.
Ocorre que, mesmo, retirando as coisas aos poucos, a riqueza do Palácio foi sumindo. A realeza já não conseguia mais esconder da população que seus pertences estavam sumindo, pois ela não conseguia suprir as necessidades do povo, ainda mais sendo surrupiadas pela outra quadrilha. E o povo tinha que trabalhar mais para repor a riqueza do palácio. Com isso, ficava menos comida para a quadrilha que pegava só da população.

Começaram então os rumores de que o palácio estava sendo saqueado. Mas como? O Palácio possuía guardas fortemente armados, sempre vigilantes, exceto naquele período em que o reino inteiro dormia. Reino inteiro? A-há. O outro bando, que sabia que malfeitores ficavam acordados durante a maldição, perceberam que os rivais estavam há tempos indo roubar lá no palácio, e resolveram fazer a mesma coisa. Só que ponderaram, os talheres, pratos, quadros do Palácio já foram quase todos surrupiados. A população não tem mais como trabalhar para se sustentar e sustentar o palácio. E sem a população, eles não teriam como sobreviver, pois não teriam mais de quem roubar. Era preciso ir com cautela.

Assim, essa quadrilha foi a Palácio, mas pela porta dos fundos, para ver se havia alguma riqueza lá atrás que a primeira quadrilha não percebeu. E que sorte deram. Encontravam o secreto cofre real. E tiraram muito de lá. Mas muito mesmo. Não foram pacientes, nem tiraram aos poucos com a primeira quadrilha. Por outro lado, tiveram uma ideia: devolveriam parte daquilo para a população, para que ela continuasse a produzir e mandar riquezas para o palácio.

Então a população viu, de repente, surgir, onde antes desparecia comida, um pouquinho de dinheiro, que a permitia sair daquele ritmo de trabalho absurdo, ainda que não a devolvesse ao estado anterior.

A primeira quadrilha logo entendeu, os outros bandidos tiveram acesso a um tesouro do palácio que eles não tiveram e estavam dando uns trocados para a população. A quadrilha tentou barganhar com a outra e também roubar o cofre, mas esta disse: Não. Nos anos que vocês roubaram os salões do palácio nunca dividiu conosco e agora só nos procura porque está difícil tirar de lá. Agora, façam como a gente fazia, vão roubar apenas da farinha e do frango do povo. Mas esses bandidos não poderiam mais voltar a fazer isso. Eles estavam acostumados às riquezas do palácio e nem sabiam mais andar pelo vilarejo para roubar.

Então a primeira quadrilha resolver denunciar tudo para a população. Revelou que a outra quadrilha roubava os cofres, pois durante 12 horas não era todo o reino que dormia, mas apenas os honestos. Só que, para fazer isso, eles tiveram que assumir que também ficavam acordados e descobriu-se que eles que haviam saqueado primeiramente o palácio.

O que fez a população? Ao invés de prenderem todos nas masmorras para garantir que não saíssem mais durante as horas de sono, começaram a discutir quem tinha mais direito a continuar roubando o palácio real: se os bandidos que chegaram primeiro e retiravam as coisas aos poucos, ou se os bandidos que chegaram depois, retiraram muito de vez, mas redistribuíram um pouquinho. Discutia-se, até, se a primeira quadrilha não deveria ser indicada para fazer a segurança do cofre real para que a segunda não mais o saqueasse.

E enquanto o povo discutia durante as doze horas de vigília, logo chegavam as horas da maldição e as duas quadrilhas continuavam à solta.

E isso, senhores, não é uma parábola, porque não encerra nenhum conteúdo moral. Aliás, isso é uma imoralidade sem tamanho.

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