sábado, 10 de janeiro de 2015

Quando a fé remove a montanha que não vai a Maomé

Dizer que os chargistas mortos deveriam ter evitado fazer humor com pessoas que sabidamente são violentas é o mesmo que dizer que a forma certa e eficaz de se evitar que alguém faça o tipo de humor que você não gosta é sendo violento.

Se as pessoas se intimidassem e não fizessem piadas com Maomé, porque alguns dos seus seguidores respondem a isso com atos terroristas,  estariam passando a seguinte mensagem aos hindus,  cristãos,  budistas e demais: eles fazem piadas com as religiões de vocês porque vocês não respondem com atos terroristas.

No que tange ao respeito às crenças,  acho que uma diferença muito grande entre respeitar o direito da pessoa a crer,  que deve existir,  e respeitar uma idéia, um conceito,  um dogma. Você tem liberdade de crer no que quiser e falar sobre sua crença,  eu devo respeitar isso e não posso ridicularizá-lo por isso, mas não tenho nenhuma obrigação de considerar sagrado o que você também considera, de considerar intocável o que você considera,  de tratar de forma especial o que você trata.

E, sim,  ninguém ainda lembrou,  mas eu vou para o polêmico chute na santa proferido pelo pastor da Universal aqui no Brasil. Desnecessário,  de mau-gosto,  provocativo e quantos adjetivos queiram dar.  Pessoas se disseram ofendidas,  com todo direito de dizer-se,  e procuraram os meios legais de evitar isso.
A defesa do pastor disse,  não sem razão também,  que aquilo era um bem móvel,  de propriedade do pastor,  que estava à venda e foi adquirido por ele,  e que pra ele não tinha nenhum valor sagrado e, como tal,  ele poderia destruir. 
Temos que concordar.
A imagem (objeto, escultura) não pertencia à Igreja Católica,  assim como o direito de imagem (representação, figura)  também não.
Aí vem a alegação de destruir objeto religioso.  Ora,  a Santa só tem essa função de objeto sagrado, dentro das igrejas e dos lares de quem a cultua. Dentro da casa do pastor, trata-se de uma mera estátua. Seria muito diferente de ele entrasse em uma igreja e destruísse uma imagem. Aí não seria um mero dano à propriedade do outro,  mas a destruição de um objeto de culto religioso.

"Ahhhhh, mas então ele faça isso na casa dele e não em público,  onde católicos possam ver ", diriam os mais ponderados.  Seria o mesmo argumento de dizer que os humoristas até podem ter suas idéias mas não podem publicá-las se isso ofende outras pessoas. Será que isso é certo?  É assim que vivemos no dia-a-dia? Deixamos de fazer em público tudo que ofende a crença alheia?

Não.

Vamos para um exemplo bem simples. Comer um bife. 
E nem vou considerar os vegetarianos,  porque se eu dizer que para alguns é repugnante ver alguém comendo carne de animal,  logo vão dizer que é frescura deles (enquanto que chutar uma estátua ou fazer um desenho é coisa gravíssima). 

Mas sigamos a ótica da ofensa religiosa.

Para os hindus as vacas são sagradas. 
Não apenas as vacas nascidas,  criadas e residentes na Índia. As vacas de todo o mundo,  de qualquer cidadania,  são sagradas.
Então,  se eu como um bife, eu estou ofendendo o hindu e sua crença. Se eu faço isso em um restaurante,  se eu publico um vídeo de meu churrasco no YouTube, é possível que aquele ato seja visto por alguém que vai se ofender, e muito, com aquilo.  Seguindo a lógica usada por quem acha que charge e chute em estátua é algo grave e ofensivo,  eu só deveria  comer carne em ambientes privados,  onde pudesse me certificar que ninguém ali tem uma crença onde comer carne é ofensivo.
E por que ninguém se preocupa com isso?  Porque a maioria das pessoas no mundo acha ridícula a idéia de que uma vaca seja um animal sagrado. Porque todo mundo espera que o hindu compreenda que ninguém é obrigado a acreditar na baboseira e que fique com essas maluquices lá pro país deles.
E por que o hindu tem que ser compreensivo e os muçulmanos, não? E os católicos,  não? Porque temos uma hierarquia de valores das crenças, que tem a ver, não com a proteção ao direito de crer, como muitos tentam argumentar,  mas com poder. Alguns pela força,  outros pelo número, outros pelo domínio econômico.
Temos crenças de primeira, de segunda,  de quinta e de sei lá quantas grandezas.

Alguma crenças são "mais sagradas" que outras, são mais dignas de serem respeitadas que outras. Ainda que não falemos abertamente conta algumas crenças ,  não nos incomodamos de rir sobre elas,  nem nos chocamos se alguém fala que são baboseiras, ridículas ou maluquices como eu fiz agora há pouco.

Se não quisermos ser hipócritas, ao bradar que mesmo os descrentes tenham que se comportar como crentes para "não ofender", temos que estar preparados para fazer isso com TODAS as crenças,  e não apenas com aquelas que fazem mais barulho. Seja esse barulho de megafone,  de rádio e TV ou de tiros e bombas.

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