sábado, 22 de fevereiro de 2014

Enquanto você se esforça pra ser...

No extinto programa Viva O Gordo, Francisco Milani interpretava um sujeito que fazia os pedidos mais estranhos e inusitados e, quando as pessoas se espantavam, ele se irritava e perguntava: "Estão me olhando por quê? EU SOU NORMAL"

A graça estava nessa incoerência de querer colocar e ser atendido em sua singularidade e, ao mesmo tempo, não querer que os outros não expressem sua estranheza diante de tão particular modo de ser.

Hoje, tenho quase certeza, de que esse quadro não iria ao ar. Porque aquele comportamento que era motivo de piada há alguns anos, hoje passou a ser a regra aceitável e imposta, sem que sua incoerência, a meu ver, tenha sido abolida.

Essa semana, orientava os funcionários sobre o novo sistema de senha para atendimento ao público. Dizia eu, quando fui interrompido por uma colega:

- Vocês selecionam uma das opções: Protocolo preferencial, protocolo normal, informação preferencial ou informação normal.

- Não dá pra mudar esse nome, não?

Não entendi e perguntei:

- Que nome?

- Protocolo normal e informação normal. Fica parecendo que o outro não é normal.

Na hora, a única coisa que passou pela minha cabeça foi: "não tenho tempo pra isso". E respondi:

- Mas não é normal, mesmo. O normal de um atendimento é que quem chega depois é atendido depois. O atendimento preferencial é para a pessoa que chega depois e é atendido antes daquele que já estava aqui. Se fosse um atendimento normal, o idoso, o deficiente e a gestante iriam ter que ficar esperando a vez deles e isso não é certo. Justamente por eles terem uma condição específica, o atendimento deles não é normal.

Esse politicamente correto chega a ser imbecilizante. Dizer que tem um atendimento normal e um atendimento preferencial em nenhum sentido diminui a pessoa atendida. Eu não disse que a pessoa não era normal, disse que o atendimento dela não é normal. Isso vale pra todas as coisas. 
Se alguém der uma aula normal de rapel para um deficiente físico, ele pode sofrer sérias lesões. A aula dele tem que ser adaptada, mas se vocês virem alguma entrevista vão ouvir o professor falando de todas as diferenças da aula, mas fazendo questão de afirmar que "no mais, é uma aula normal como qualquer outra". 
Não tem mais. Normal é ou não é. Não há quase normal. Se segue a norma é normal, se não segue a norma não é. Se a medição é em algo que muda a gradação, você pode dizer que está "quase normal", no sentido que os dados estão mudando em um determinado sentido. Por exemplo, a temperatura do corpo, a pressão arterial, a frequência de alunos na primeira semana de aula. Mas enquanto não alcança a norma, não está normal.

Às vezes estremeço quando ouço falar sobre acessibilidade em determinados lugares. É muito triste que um cadeirante não possa ir a todos os lugares. É dever da sociedade adaptar ao máximo os locais para que eles tenha acesso. Mas o que fazer em locais como Pelourinho ou outros locais históricos? Adaptar certos locais seria o mesmo que descaracterizá-los. Tem coisas que temos que ver que não dá.

E essa insistência do politicamente correto não é mera questão semântica. Chega a uma estupidez que tira vidas. Nos Estados Unidos, grupos negros recusam um tratamento para hipertensão arterial porque os estudos indicam que ele tem maior eficácia em negros. Excetuando as teorias conspiratórias de que seria um plano para envenenar os negros, há uma clara ação dos grupos de defesa das minorias raciais dizendo que o tratamento deve ser recusado porque ele evidencia que há diferenças entre as raças. As pesquisas mostram que na questão da hipertensão o tratamento que é dado aos brancos é pouco eficaz nos negros, em contrapartida, há um tratamento mais eficaz para eles, mas eles optam pelo outro, menos eficaz, para não parecerem diferente. E dizem isso de forma clara.

É o supra sumo da estupidez.

Mas assim segue a humanidade, não assumindo suas diferenças, mesmo que isso não signifique limitação ou inferioridade, mas querendo que ela seja respeitada e entendida.

Respeitar as diferenças, particularidades, individualidades e até limitações das pessoas, é uma obrigação, mas fingir que essas diferenças não existem é burrice.

"Ser 'normal' é o ideal dos que não têm êxito, de todos os que se encontram abaixo do nível geral da adaptação"  - Carl Jung

Que PI é essa?

Salvador sempre teve um público cativo de teatro que lota salas. Pelo menos, se estivermos falando de peças com atores globais. Não importa...