sábado, 20 de novembro de 2010

Estupidamente incorreto.

Um tempo atrás eu escrevi um texto sobre essa coisa estúpida do politicamente correto nas novelas. Dizia que se todos na ficição tivessem que ter comportamentos corretos, os dramas iam se acabar.
Ficção é ficção, náo é tratado social nem científico. Na ficção alguém pode decidir abrir a porta do hospício, os mortos ganham vida, o prefeito safado tem a nossa simpatia. Pela ficção torcemos pela adúltera e desejamos com todas as forças a morte de alguém. Na ficção, nem sempre o assassino vai preso (como de fato não vai na realidade), mas nem por isso a obra tem que dar explicações sobre os procedimentos policiais e judiciais do país.
Mas se uma personagem emitir uma opinião homofóbica, machista ou racista. Ah! Deus de quem crê! É uma comoção geral. Esqueçam as prisões superlotadas, as pessoas morrendo sem atendimento nos hospitais públicos, a seca do Nordeste, os dólares nas cuecas, meias e em outros locais mais escusos. O verdadeiro problema do país passa a ser o que a personagem da novela das oito (que passa depois das nove) disse ou fez.
Ministério Público, Juízes da Infância, ongs e movimentos de minorias se mobilizam como nunca se mobilizariam contra jovens da classe média que saem pela rua agredindo com lâmpadas fluorescentes.
Exigem com tal vigor a punição da personagem, do autor e da emissora, que os telejornais já sabem: quando querem que um crime seja punido, é só dar uma pitada de folhetim ao noticiário que o clamor surge.
Na época em que escrevi, eu disse que daquele jeito que os politicamente corretos queriam, seria impossível termos os grandes clássicos. Nem na minha mais louca paranóia eu poderia imaginar que esses sem ter o que fazer, arremedos de censura, policiais das idéias alheias, seriam capazes de um dia avançarem contra Monteiro Lobato.
Pois foi o que fez o Conselho Nacional de Educação querendo proibir a obra Caçadas de Pedrinho por considerá-la racista.
Em primeiro lugar, a obra tem expressões racistas, sim, seus estúpidos. E não só essa, mas em todo o "Sítio", Emilia (e algumas vezes as crianças) dispara insultos a Tia Nastácia fazendo alusão ao fato de ela ser negra. Isso não é bonito, mas era aceitável na época. Quer dizer, não que fosse aceitável o comprtamento da boneca. Qualquer criança consegue (eu ia dizer qualquer idiota, mas vi que os idiotas do CNE não conseguiram) perceber que aquele ato de Emília está errado. Não que a gente pensasse na época na situação do negro, mas porque era uma ataque despropositado contra uma pessoa boa. Emília era uma criança birrenta. Mesmo quando fazia a coisa certa era com muita dose de falta de educação, coisa que D. Benta e Tia Nastácia sempre comentavam. Apesar disso, Emília não era má. Tinha seu lado doce, terno, preocupada com os bichos, ainda que os usasse para seus propósitos quando queria.

Pra não ficar aqui citando obras e obras do passado que tem atitudes incorretas, vamos logo ao extremo e saber se os impecis pretendem censurar a Bíblia? Motivos não faltam: poligamia de reis, mesmo os ungidos do Senhor, apedrejamento de mulheres,  por ordem divina, escravidão, matança de crianças pelo povo de Israel. Que tal reescreverem também os clássicos gregos?

Há posição de defesa ao CNE de que não quer banir nada, apenas colocar notas explicativas nas obras para contextualizar e falar sobre a situação do negro. Alegam, inclusive, que Caçadas de Pedrinho já alertava que na época a onça não estava protegida pelo IBAMA. Então, pergunta-se, por que falar da onça e não do negro?
Bom, em primeiro lugar porque o tema da obra não é o negro, nem o racismo. Ainda que tenha alguma frase racista, não é o tema do livro. Se formos ficar explicando tudo isso, teremos que explicar todos os comportamentos que coloquei no início do texto. Muito mais salutar que isso seja abordado por alguém, e se os professores e os pais não estão preparados para isso, ora pílulas, a culpa não é de Monteiro Lobato. Segundo que isso joga uma lupa numa questão que, sem esse estardalhaço, não teria feito tanto mal assim. Qualquer pessoas instruída percebe que essa obra só pode ser fruto de um outro tempo, qualquer um sabe que jamais compositor algum faria uma música que diz: "mas como a cor não pega mulata, mulate eu quero seu calor".
Ou vamos colocar notas explicativa para explicar a lei Maria da Penha cada vez que cantarmos:
Olhei pra ela e disse. Vai já pra cozinha. Dei um murro nela. E joguei ela dentro da pia. Quem foi que disse. Que essa nega não cabia?

Nelson Rodrigues, machista, homofóbico e incorretíssimo, que só um idiota se daria ao trabalho de  contestar suas frases provocantemente absurdas, já sintetizava essa situação:

O trágico da nossa época ou, melhor dizendo, do Brasil atual, é que o idiota mudou até fisicamente. Não faz apenas o curso primário, como no passado. Estuda, forma-se, lê, sabe. Põe os melhores ternos, as melhores gravatas, os sapatos mais impecáveis. Nas recepções do Itamaraty, as casacas vestem os idiotas. E mais: – eles têm as melhores mulheres e usam mais condecorações do que um arquiduque austríaco.
Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos.

Concluía eu, na minha "Confissão", que nos coube por fatalidade uma das "épocas débis mentais", e das mais espantosas da história. Há uma debilidade mental difusa, volatizada, atmosférica. Nós a respiramos. Isso aqui e em todos os idiomas. É um fenômeno internacional tão nítido, tão profundo, que não cabe nenhuma dúvida, não cabe nenhum sofisma.

E acontece, então, esta coisa nunca vista: - todos agem e reagem como imbecis. Não que o sejam, absolutamente. Muitos são inteligentes, sábios, clarividentes; e têm um nobilíssimo caráter, e uma fina sensibilidade, e uma alma de superior qualidade. Mas num mundo de débis mentais, temos de imitá-los. Não sei se me entendem. Mas, para viver, para sobreviver, para coexistir com os demais, o sujeito precisa ir ao fundo do quintal. E lá enterrar todo o seu íntimo tesouro."
 

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