sábado, 17 de maio de 2008

Abre as asas sobre nós...

Justiça da Bahia manda recolher livro de padre

O título do livro não é "Maquiagens & Adereços do Mundo Fashion Eclesiástico", nem "Guia de Navegação - Como entender seu GPS", muito menos "Deixai vir a mim os pequeninos". Mesmo assim, o Padre Jonas Abib ganhou os noticiários pois seu livro, "Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação", foi proibido pela Justiça.

A alegação é de discriminação religiosa por causa de trechos como: "O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". (...) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde nos rituais e nas práticas do espiritismo, da umbanda, do candomblé".

A partir de uma representação de José Medrado, Presidente do Centro Espírita Cidade da Luz, o Juiz da Vara Criminal, Ricardo Augusto Schmitt, mandou recolher os exemplares do livro.

Dessa vez, defendo o padre. Não as sandices que ele diz, mas o direito de dizê-las. A alegação do promotor Almiro Sena é de que a Constituição Federal dispõe que a liberdade de consciência e de crença é inviolável, garante proteção aos locais de culto e que ninguém será provido de direitos por motivo de fé.

As afirmações do padre não atingiram nenhum local de culto, nem tirou o direito de ninguém por ser espírita. Ele expressou, para os seus seguidores, o que ele pensa. Não mandou, nem incentivou, que esses saíssem por aí queimando os espíritas ou enforcando os macumbeiros. Na verdade, esse é o discurso de muitas religiões evangélicas e que vêm sendo contestada o tempo todo na justiça.

Vejam, só. O cristianismo, e longe de mim defedê-lo como verdade universal a ser seguida, tem como base a Bíblia. Essa Bíblia diz (na versão Bíblia na Linguagem de Hoje):

Jeremias 27:9 - Não dêem atenção aos seus profetas nem a qualquer um que diga que pode adivinhar o futuro, seja por sonhos, por invocação dos espíritos dos mortos ou por feitiçaria.

Levítico 19:31 - Não procurem a ajuda dos que invocam os espíritos dos mortos e dos que adivinham o futuro. Isso é pecado e fará com que vocês fiquem impuros. Eu sou o SENHOR, o Deus de vocês.

Deuteronômio 18:10-12 - Não ofereçam os seus filhos em sacrifício, queimando-os no altar. Não deixem que no meio do povo haja adivinhos ou pessoas que tiram sortes; não tolerem feiticeiros, nem quem faz despachos, nem os que invocam os espíritos dos mortos. O SENHOR Deus detesta os que praticam essas coisas nojentas e por isso mesmo está expulsando da terra esses povos, enquanto vocês vão tomando posse dela.
Se o padre não puder expressar isso que está aí, ele não estará sendo tolhido na sua liberdade de consciência e na inviolabilidade de sua crença? Pior, o padre está sendo proibido de divulgar, aos seus seguidores (e não aos seguidores do espiritismo ou do candomblé) o que ele acha essencial para um culto ao seu deus e que pode significar a salvação ou perdição de sua alma. Note que, enquanto fica na esfera do discurso pros seus fiéis, esse padre não impede que os espíritas façam seu culto em seus centro, nem que os umbandistas pratiquem seus rituais, mas ao impedir que o padre propague essas palavras aos seus, aí, sim, ele está sendo impedido de expressar sua fé.

Quando uma religião diz que Jesus não era o próprio deus, mas sim, um espírito evoluído, ela está atentando contra a liberdade religiosa dos católicos e evangélicos? Pois bem, essa mudança no status do Cristo balança todo o alicerce em que estão fundadas essas crenças e sem essa certeza (Cristo = deus), essas religiões não podem existir.

O simples falar alguma coisa é um direito garantido na nossa Constituição. Não podemos querer que todas as pessoas só tenham pensamentos bons a nosso respeito e às nossas práticas. Não posso exigir que as pessoas aceitem o homossexualismo, o casamento inter-racial, a política social em favor dos menos favorecidos. Todos tem direito a opiniões e algumas opiniões nos são desconfortáveis. O que essas pessoas de opiniões diferente não podem é impedir a prática das outras, nem tratá-las de forma descriminatória por suas práticas. Isso nunca vai impedir que um homofóbico, quando precisar escolher entre dois candidatos a emprego, em uma empresa privada, selecione o heterossexual. Ou que um negro, nessa mesma situação, reprove o candidato loiro de olho azul. A diferença é que esse segundo caso virá sob o manto da "reparação", enquanto que o primeiro será taxado apenas de preconceito. Toda vez que o critério subjetivo puder aparecer, essas idéias e opiniões prevalecerão. Em ambos os casos, permitir que critérios subjetivos suplantem os critérios técnicos é burrice.

Ainda sob esse manto da defesa da liberdade religiosa, que justifica que se passe por cima da liberdade de expressão, o que dizer da gritaria ocidental contra a (ignorante) prática de mutilação de meninas em certas culturas? Se essa selvageria é feita em nome da religião devemos respeitá-la ou defender a integridade física da crianças? Pois bem, o padre acha que essas práticas religiosas, mencionadas por ele, são danosas à alma e podem levar pessoas à danação eterna. Ele deve se calar e respeitar ou tentar defender "a alma" de seu rebanho?

E o que dizer dos adoradores de Satã? Acaso eles não são vilipendiados por católicos, espíritas e várias outras crenças? Adorar o demônio é uma crença. Antiga até. Há uma idéia de que Satanás, na verdade, representa o verdadeiro bem. Que esse deus em que hoje ese acredita, é o mal disfarçado; que Satanás tentou alertar o homem, na forma da serpente, que o ajudou a conhecer "o bem e o mal", e começou a batalha, onde esse "ser maligno" com capa de bondade, vem conduzindo esse mundo em falsas crenças. Daí a resposta de porque coisas más acontecem a pessoas boas e inocentes. Porque é um "deus falso e mau" que conduz esse mundo. Chocante? Bizarro? Loucura? Pois tem gente que acredita nisso há milênios e se essa teoria não é mais difundida, é porque seus seguidores não são loucos de sair por aí falando a respeito. Já pensou como você olharia seu colega de trabalho se ele colocasse uma imagem de Lúcifer no desktop do computador?

Pois bem, a tal liberdade religiosa significa o quê? Liberdade para quem crê como a maioria, como o juiz e o MP acha que deve, como a ONU propõe que seja saudável?

Vaos deixar de hipocrisia: nesse campo de religião é muito difícil uma conciliação entre os pensamentos e, se queremos dar liberdade, que seja para ouvirmos o que queremos e o que não queremos também. Ao invés de procurar forçar os cristãos a aceitá-los, os espíritas deveriam simplesmente rebater, entre seus seguidores, aquelas palavras, com os argumentos que entenderem e pronto.


"Não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de o dizeres" Voltaire

4 comentários:

  1. O Ministério Público da Bahia deve proibir a venda da Bíblia, isso mesmo. A Sagrada Escritura critica diretamente as práticas das religiões africanas. Por exemplo, a invocação de mortos. O que fazer? Vamos processar Davi, Abraão, Pedro, Paulo... Ou seja, enquando isso milhares de criança estão vendendo os seus corpos nas ruas da Bahia.

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  2. A afirmação do padre a respeito das religiões de origem africanas e sobre o espiritismo, no meu modo de compreender é carregado de pre-conceitos. Acredito que a reação ao texto do padre caminha na mesma direção.

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  3. Curioso a Bíblia proibir que se fale com os mortos.. Então porque falam com Jesus que já morreu?

    Nem preciso citar todos os Santos (que já morreram) com quem muitas pessoas falam em suas orações.

    Porque Jesus falou com Moisés, que já estava morto? Porque Jesus pode e eu não?

    Alguns trechos da Bíblia me parecem mais uma tentativa de tolir o raciocínio lógico e esconder a verdade do que um ensinamento digno de Deus.

    Quanta fé cega!

    "Quem conta um conto aumenta um ponto"

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  4. Criticar o espiritismo, o candomblé, ou qq coisa, é muito fácil, difícil mesmo é agir como Jesus ensinou. Todos tem o direito de dizer o que sentirem vontade, mas tem o dever de dizer palavras coerentes com a realidade sob pena de se ajustar com a justiça, todos tem o dever de arcar com as consequências.

    Como alguém pode apoiar o livro sem tê-lo lido? Não é preciso ler o livro para depois comentá-lo? Fazendo o contrário não estamos emitindo opniões ignorantes e superficiais?

    O livro manda sim o católico "combater" o espiritismo, que sejam quebradas as estátuas do candomblé, isso é amar ao próximo e respeitar a religião do outro?

    Quem fala o que quer escuta o que não quer! Não é mesmo?

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