segunda-feira, 17 de setembro de 2007

100 noção

Chegamos em Santo Amaro por volta das 9:30. A missa ainda não havia começado. Na porta da Igreja, as mesmas caras manjadas que vemos em todos os shows de Maria Bethânia, inclusive as nossas. A população de Santo Amaro se divide, como sempre acontece nesses eventos. Parte fica ao redor, do outro lado da rua, assistindo aquela multidão se apoderando do seu espaço, de sua igreja, de sua rua. Outra parte se junta aos caçadores de celebridades.

Sim, podem falar o que quiserem, podem alegar carinho e admiração pela centenária anciã, mas todos que ali estavam queriam um flash, uma foto, um vídeo com algum famoso. O fato de a aniversariante ter parido 2 deles ajuda em muito a que se tenha carinho e admiração por ela.

A entrada principal da igreja estava fechada com uma fita azul, esperando D. Canô! Uma deferência e tanto da Igreja Católica, entre outras tantas que se viu.

D. Canô chegou e os repórteres se posicionaram com suas câmeras e microfones na entrada. Um senhor, tipicamente trajado como turista, com direito a boné, bermuda e tênis, reclamou: "'Nóis' aqui também 'queremoxx' fotografar, hein!". Como os repóteres tinham plena consciência que toda aquela festa não era para os "nóis aqui" e sim para eles e para os telespectadores do Fantástico, do Domingo Especial, do Jornal Hoje, etc, continuaram lá.

Uma santamarense reclamou: "os repórteres é que estragam tudo, sempre estragam". Hipócrita, como hipócritas são as insistentes palavras, inclusive do padre, de que não se louvava a mãe de Caetano e Bathânia, mas apenas uma cidadã da cidade que chegava à idade de 100 anos. O povo queria ir à missa de D. Canô porque lá ia ter celebridade, e celebridade só é celebridade porque aparece na revista, no jornal, na TV e só aparece nesses lugares porque tem repórteres atrás deles. É o efeito Tostines: tá na mídia porque o povo compra, o povo compra porque tá na mídia.

Prova disso é que há menos de um mês outra santamarense chegou à incrível marca dos 100 anos, sem nem uma notinha naqueles noticiários que transmitem até batizado de gato. Sem ninguém tirando fotos. E N. Sra. Aparecida, que nas palavras do bispo "gosta de festa e estava ali pra celebrar a festa da vida", chegando inclusive a comparar a presença da "mãe de Deus" ali com a sua presença nas bodas de Canaã? Pois, nem essa compareceu na festa dessa outra santamarense, cujo nome não consegui achar em nenhum site. Também os correios não fizeram selo em homenagem a essa outra centenária.

Frise-se que não se trata de desmerecer D. Canô. Nem dizer que ela não trouxe benefícios pra cidade. Mas os santamarenses que a admiram e que são gratos a ela por suas obras assistenciais, por usar seus contatos com os políticos para benefício da cidade, esses certamente estavam à volta, na praça. Aqueles que estavam com máquinas se acotovelando na porta da igreja, tinham outros propósitos. Que os assumissem então!

Dentro da Igreja alguém exaltava "a mãe de Caetano, de Bethânia, de Mabel e dos outros filhos". Disse essa frase duas vezes.

- Eu quero ser filmado! - Confessava uma criança, naquilo que outrora seria descrito como voz da inocência. Não há inocentes neste mundo de querer parecer ser alguém mais do que ser. Ele não está ali pra prestar homenagens à vida, à simplicidade, à longevidade... está ali pra ser filmado, pra sair na TV, pra tirar fotos com os famosos. A diferença dele pros outros, é que ele verbalizou isso.

Após a entrada da família real, a multidão se espalha, mas continua rondando a igreja. Poucos desses entram na igreja para ver a missa. Em parte porque a Igreja já está lotada. Em parte porque o interesse é outro mesmo.

Missa começada, chega Mariene de Castro. Os turistas ficam indiferente, os santamarenses a cercam.

- Posso tirar uma foto? Não é sempre que tem celebridade aqui na cidade! Temos que aproveitar. Disse uma mulher que logo após foi indagada por uma amiga.
- Quem é?
- Mariane de Castro. Respondeu. - É cantora.

Um menina pede o autógrafo e também é interrogado por uma amiga:
-Essa é quem?
- Mariene de Castro. Responde acertando o nome.
- Ela é o quê?
- Artista. Simplifica a garota.

Não se trata de carinho de fãs por seus artistas, por sua obra, nada disso. É o lance de parecer importante por ter foto ou autógrafo de quem está na mídia. Miúcha, excelente cantora, passou desapercebida tanto pelo público (o que não chega a ser espantoso) quanto pelos repórteres (o que reforça a tese do círculo vicioso público-mídia-público).

Estranhei que, em certo momento, muitas pessoas acenavam pra Valéria e tiravam fotos dela. Santo Amaro é moderna, mas tanta admiração por um travesti que, apesar de artista, não sai na Caras. Parecia que minha idéia do interesse por holofotes caia por terra.

- É aquele traveco da novela das oito! Disse um rapaz resgatando minha teoria.
Outro explicava, demonstrando, inclusive conhecimento privilegiado sobre o caso: - É Rogéria. Ela mora na França. Roberto chegou de lá. Ela veio com ele.

Mais tarde tirei foto com Valéria, que mora no Garcia, Salvador, Bahia, Brasil.

Em toda essa balbúrdia, só conseguia reparar numa senhora santamarense, com seu leque combinando com a bolsa, seu vestido que facilmente identificamos como "roupa de missa" nas senhoras do interior, aparentando uns 65/70 anos. Estava na porta da igreja, sem conseguir entrar no local que, provavelmente, freqüenta todos os domingos. Ninguém lhe dava passavem, muito menos cedia o assento. Ficou ali o tempo todo em pé.

Não, não era o respeito à idade que se comemorava ali.

Um comentário:

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Que PI é essa?

Salvador sempre teve um público cativo de teatro que lota salas. Pelo menos, se estivermos falando de peças com atores globais. Não importa...