sábado, 12 de maio de 2007

Nunca perde a majestade








- Que é que eu sou? Que é que eu sou? Que é que eu sou?
- Sois rei! Sois rei! Sois rei!

O quadro do Viva o Gordo apresentava um rei baixinho, interpretado por Jô Soares, de joelhos, dando ordens descabidas. Quando alguém, com a devida reverência, ponderava que algumas ordens talvez não tivessem boa aceitação pelos súditos, o rei fazia a célebre pergunta a que todos respondiam, lembrando-se de sua autoridade e aclamando que, na qualidade de rei, ele podia decretar qualquer absurdo.

A personagem, claro, satirizava os "reis" da época. Não estou falando do tempo da monarquia, nem eu nem Jô somos tão velhos assim, mas da ditadura militar. Jô apenas usou um rei porque essa figura do absolutismo representa bem o que acontece quando o poder fica na pessoa e não nas leis (não que esse seja também o mais perfeito dos sistemas, mas é melhor).

Mas o Brasil parece gostar da realeza. Tanto que tudo que é bom, o melhor, o que se destaca em sua área, é chamado de rei. Assim temos Rei do Futebol, Rainha dos Baixinhos, Rei do Hot-Dog, Rainha da Bateria, Rei do Baião e "diga aí, meu rei".

Não temos mais monarquia, ou ditadura militar, mas os reis não precisam de um sistema que os legitime. Basta ter alguém que queira lhe ser subserviente e esteja disposto a acatar suas decisões, mesmo as insensatas. Ah, sim, esses vassalos também devem estar dispostos a "convencer" os outros da autoridade divina com que aquele rei é investido.

O súdito Paulo César de Araújo resolveu escrever um livro sobre o Rei da Música. O Rei não gostou. Não se sabe se achou insuficientes os elogios, ou se porque falou de outros que, apesar de nobres, não estão à altura de um rei. O fato é que o Rei realmente não gostou.

Entrou com uma ação na Justiça. Não queria indenização, não queria reparação, queria apenas e simplesmente a destruição da obra. A Lei Maior desse país garante a liberdade de expressão. Não havia no livro nada que difamasse, injuriasse ou caluniasse o Rei. Na verdade a obra era um elogio. Mas o Rei, exigindo seu direito de Rei, que é maior que a Constituição Brasileira, quis que os livros fossem recolhidos e fragmentados e o papel usado para reciclagem. Em resumo, que fosse jogado no lixo.

Havia um Juiz, chamado Técio Pìres. Juízes são seres acima da lei. Eles dizem que os outros devem cumprir as leis, mas se eles mesmo não cumprem não vão presos. São apenas proibidos de ir ao local de trabalho receber o dinheiro, devendo fazê-lo em casa. Talvez por isso, o Juiz entenda tão bem o direito de um Rei estar acima da lei. O Juiz achou que era certo recolher o livro ou a editora pagaria R$ 50 mil reais por cada dia que não cumprisse a determinação.

A editora pôde então optar por recolher espontânea e imediatamente o livro, ou ser obrigada a recolher por força de uma sentença que a condenaria na multa. Preferiu a primeira opção e a isso se deu o nome de ACORDO JUDICIAL.

O súdito chorou, durante a audiência. Pediu ao Rei que tirasse do livro o que ele não gostava. O Rei se recusou. O súdito suplicou para que o Rei aceitasse publicar o livro, abrindo mão dos direitos autorais, sem que ele, o autor, recebesse nada, mas apenas para não ver sua obra destruída. O Rei, condescendente, disse que poderia pensar nisso mas tarde, mas aqueles 11 mil exemplares iriam ser destruídos.

Quais detalhes do tal livro poderia macular a biografia do Rei, poucos sabem. Mas depois desse episódio o Rei está, definitivamente, nu.

A resposta do autor

O livro na internet (pra quem tem torrent)

Um comentário:

  1. Perfeito. Vai em

    http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia.aspx?op=true&cod=38866

    E veja o que disse.

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