terça-feira, 20 de junho de 2006

O QUE VOCE SABE QUE EU NÃO SEI?

Luiz Goulart*

Por que você não me ensina o que você sabe e eu não sei? Por que me deixa assim, acreditando em fantasmas e em ilusões de ótica? Queria ser como você, assim eu não teria que sofrer em público, expor essas feridas da minha alma atormentada, gritar como um mudo louco no deserto árido das mentes fechadas. Por que você me nega essa chance de estar entre as maiorias silenciosas?

Você leu Jean Baudrillard? No seu livro intitulado exatamente "À Sombra das Maiorias Silenciosas", ele fala o que você não me ensina a fazer: "As maiorias silenciosas, as massas, são resistentes a qualquer forma de organização social total e planejada; não hesitam em trocar uma manifestação política importante por um jogo de futebol na televisão". "A massa só é massa porque sua energia vital se esfriou. É capaz de absorver e neutralizar todas as energias quentes. Assemelha-se a esses sistemas natimortos em que se injeta mais energia do que se retira, a essas minas esgotadas que se mantém em estado de exploração artificial a preço de ouro". "A massa absorve toda a energia social, mas não a refrata mais. Absorve todos os sentidos, mas não os repercute, buracos negros, sepulcros de informações"... por aí vai Baudrillard e cada linha é uma pancada nos neurônios.

Você que trabalha normalmente ou que sequer participa das nossas assembléias enquanto eu e outros lunáticos estamos na greve, gritando palavras de ordem, fazendo discursos e reuniões, correndo para o NAJ ou para os JEFs, tentando organizar um movimento que trará vantagens para todos, você que tem vergonha de mostrar a cara, você espera que ninguém note que você passou ou deixou rastro. Por que você não me ensina a ser assim?

No mundo em que você vive não deve existir dor ou consciência, você deve ter suas razões filosóficas, particulares, financeiras, partidárias, familiares e intelectuais para ser assim, deve pensar diferente de mim, eu devo estar errado e você certamente deve ter as respostas para minhas dúvidas e angústias. Por que não me diz? Quem sabe eu aprendo a ser igual você. Igual.

Mas minha sina, meu carma é essa ansiedade que me consome, essa vontade de ser diferente, de fazer diferente. Eu que pensava que votar e fazer parte da esquerda que ocupou a presidência do meu País fosse me tornar igual à maioria, quando a maioria silenciosa foi às urnas e votou em um operário. Naquele dia eu me assemelhei a você, mas logo fugi desse meio que se tornou podre como sempre foi o mundo da política. Como você consegue viver no meio desse fedor e ainda aceitar a podridão dos nossos velhos sonhos.

Enterrei o cadáver putrefato dos meus sonhos, assassinados por quem eu menos imaginava. Não foi um funeral fácil, eu os carregava dentro de mim há tempo demais para me ver sem eles de uma hora para outra. Doeu, mas não dói mais. Mas seus sonhos continuam, zumbis apodrecidos, e você ainda os abraça como se tivessem o frescor dos campos numa manhã de primavera, como se cheirassem a rosas. Onde você vê frescor quando só vejo a podridão? Ensine-me a enxergar vestais em estupradores de sonhos.

Você pode me encontrar facilmente para me dar essa aula de pragmatismo da qual careço. Estou ali na porta do prédio, estou nas assembléias da greve pela nossa categoria, estou no foyer, estou aqui no Falajuf. Ensina-me como posso me esconder numa toca segura, estou muito exposto assim no meio dessa gente que mostra a cara para bater...minha cara já está ardendo, como posso me proteger? Ensina-me!

Não conta para ninguém, mas eu queria mesmo era estar do seu lado, conseguir calar a minha boquinha, fechar meus olhinhos e me esgueirar nas sombras das maiorias silenciosas e, quando conseguirmos o nosso PCS, poder colocar a cabeça no travesseiro e dormir com a consciência tranqüila, sabendo que não movi uma palha quando os colegas do sindicato pediam ajuda. E que lucrei como qualquer um que se expôs

Ensina-me a ser assim como você!

* Luiz Goulart é servidor da Justiça Federal - Seção Judiciária da Bahia

Texto sobre a greve dos servidores e sobre o posicionamento de alguns.

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