sábado, 30 de junho de 2012

Pelo direito de ser promíscuo e obsceno

Uma imagem circulando no Facebook me irritou muito. Mostrava imagens atribuídas a paradas gays, com as frase:
"Homofobia é crime. Atentado violento ao pudor, incentivo a promiscuidade, desacato, aliciamento...
...também é!
Quer respeito? Se dê ao respeito!"
As fotos retratavam, em ordem: 3 homens se beijando, dois homens nus da cintura pra baixo, deitados no asfalto, um travesti com seios à mostra, um homem nu correndo, outro travesti com seios à mostra.

Por mais bem intencionada que a campanha possa ser, e eu duvido que seja, a mensagem que passa é clara: os homossexuais só podem ser respeitados quando pararem de se comportar assim.
Ou seja, há uma condicionante à concessão de direitos civis ao homossexuais pelos heterossexuais. Coloca-se, na chamada, os heterossexuais como proprietários dos direitos, que podem ser concedidos ao homossexuais, desde que eles se comportem de acordo com padrões morais exigidos pela sociedade. 


Tipo uma carta de alforria: o negro poderia ter a liberdade inerente a todo homem branco desde que pagasse o preço exigido por ela. (Posteriormente, desde que tivesse o mérito de sobreviver até certa idade em que não fosse mais produtivo e só desse despesa ao seu dono).
É algo como ser bonzinho e deixa Rosa Park andar no mesmo ônibus que os brancos, desde que seja no banco de trás.


Sim, porque comportamento moral pode ser uma coisa boa, e sem dúvida que a vida em sociedade precisa de padrões de comportamento em público, mas a questão é que não é feita nenhuma exigência aos brancos de comportamento moral para que eles tenham os seus direitos. 
A exigência da moralidade é sempre feita do ponto de vista da própria pessoa.
Quando uma mãe diz: "minha filha, não saia dando pra todo mundo", ela adverte que a menina deve se proteger da gravidez indesejada, do comentário malicioso da tia, mas nunca porque "senão você não terá direito a se casar". Nem o cartório, nem a mais puritana das igrejas, rejeita o casamento a uma menina porque ela dava pra 5 numa noite, 3 vezes por semana.
Quando um pai diz pra um filho: "não fique falando putaria o tempo todo, nem postando pornografia na internet", ele está preocupado com a censura social que pode atrapalhar até o futuro profissional do seu filho, mas em nenhum momento o pai teme que seu filho perca direito a pensão, ser incluído como dependente no plano médico da esposa, ou não tenha o direito de ser pai por causa desse comportamento.


No fundo o que se está dizendo para os homossexuais é: "para terem direitos, vocês devem provar que conseguem fazer coisas que nem nós conseguimos, que tem padrões mais elevados que os nossos, ai, talvez, a gente respeite vocês". O que a mensagem diz é, "vocês já tem uma pontuação negativa, por isso tem que se esforçar mais pra chegar ao nosso nível".


Atos obscenos em público são crime e devem ser punidos de igual forma para homossexuais e heterossexuais. Ninguém tirou direitos civis de Cicarrelli porque foi trepar numa praia. Ao contrário, houve quem defendesse seu direito à "privacidade", mesmo praticando o ato em local público. Será que se fossem duas lésbicas trocando carícias na praia isso não seria motivo suficiente para pendê-las em defesa da honra e da proteção de possíveis menores que ali aparecessem, mesmo que não tivesse nenhum? E ainda diriam: "Tá vendo? Por isso que somos contra vocês. Quer respeito? Dê-se ao respeito!"

Isso, por si só, desqualifica pra mim a imagem, a mensagem, tudo que foi mostrado. Mas ainda há uma análise que precisa ser feita. O que, afinal, é desrespeitoso na imagem?
A segunda e terceira fotos mostram homens sem roupa da cintura pra baixo, o que é um atentado ao pudor. Deveriam ser detidos. Só não sei porque relacionar esse tipo de comportamento à homossexualidade. Homens tirando a roupa para se aparecer são constantes em jogos de futebol no mundo inteiro e, ao que eu saiba, jogo de futebol não chega a ser uma atividade tipicamente homossexual.

A primeira foto mostra 3 homens se beijando. Não há sequer a certeza de que estejam na rua, pois ao fundo se vê uma parede. Eles podem estar num clube ou em um lugar fechado. Mas admitamos que estejam na rua: eles estão “incentivando a promiscuidade”? Isso é ilegal? Que eu saiba promiscuidade não é crime e não justifica tirar os direitos alheios. Quem tem o direito de julgar a conduta dos 3 rapazes? Então agora vamos normatizar que só aceitamos manifestações de beijos entre aquilo que achamos ser o “normal”: 2 pessoas, de sexos opostos, com diferença de idade aceitável, de preferência da mesma etnia. Que tal? Para todos os outros, declaramos que são aberrações e promíscuos.
E afinal, o que é promíscuo? Repito aqui, um texto que escrevi numa postagem anterior:

“... promíscuo significa (corram pro dicionário): "que ocorre por acaso; fortuito, eventual, ocasional". Ou seja, um simples espirro pode ser promíscuo. Claro, essa não é a única acepção da palavra. Promíscuo também significa: "misturado ou compartilhado com elementos de conduta reprovável ou suspeita". Algo, como o Congresso Nacional, se a gente pensar bem. Até aí, nada demais. Outra significado pra essa palavra: "constituído de elementos heterogêneos juntados desordenadamente; misturado, mesclado, baralhado". Essa descrição não serviria para a mais casta das Igrejas Evangélicas?

Como podemos ver, ao menos na definição do Houaiss, não há nada de errado na promiscuidade,mas aconselho a todos que se não se candidatem a cargos eletivos. “

Por fim, as outras duas fotos trazem travestis com seios de fora. Seios de fora é ato obsceno? Cadê essas pessoas gritando contra a Globeleza, contra a Juliana Paes, contra o carnaval?

O problema das fotos não são os atos, são as pessoas que os praticam e isso é evidente. A foto é postada na página “Orgulho de Ser Hetero”. A maioria pensaria: o que há demais? Afinal se fala em orgulho gay, porque não em orgulho hetero?
A diferença, que alguns fingem ignorar, mas que é evidente, é que quando se fala em orgulho gay, como em 100% negro, está se falando de uma reação contrária a uma ação de desvalorização daquele indivíduo. Orgulho gay é uma resposta necessária a um sentimento de vergonha de ser gay que a sociedade impõe e que leva jovens ao suicídio, a uma vida de culpa, a uma infelicidade de viver de forma clandestina. O termo orgulho gay não é uma reação à heterossexualidade dominante, mas ao massacre do ego dos homossexuais.
Não existe nenhum ato, nenhum pensamento, nenhuma lei no mundo, nenhuma conduta social, política ou religiosa que sequer insinue ser desonroso ou motivo de vergonha ser heterossexual. Daí que o tal “orgulho hetero” não é resposta a nada, senão uma ação preconceituosa que pretende desqualificar as ações de busca de direito dos homossexuais, sob uma capa de “moralidade”, “respeitabilidade”, exigindo dos homossexuais uma conduta que não é exigida dos heterossexuais para que tenham os mesmos direitos.

A imagem e o texto remetem ao lema “direitos tem, quem direito anda”, usado pela ditadura militar brasileira para justificar o desrespeito a direitos civis de parte da população. Os direitos são concedidos a quem age “direito”, segundo os critérios dos ditadores, como agora querem que o respeito seja dado a quem “se respeita”, segundo o critério dos moralistas.

4 comentários:

  1. Benício Golfinho10/07/2012, 11:48

    Mutatis mutantis, descriminalização JÁ! Do uso de drogas, da atividade do rufião, da bigamia... porque se o problema moralidade não é moralismo.

    ResponderExcluir
  2. Na verdade, no texto, não há proposta de descriminalizar nada. Inclusive, disse que o que for crime, deve ser punido.
    Mas relatei que, das situações mostradas, apenas uma é tipificada e, mesmo assim, não é justificativa para a quebra dos outros direitos.

    ResponderExcluir
  3. Quanto aos exemplos citados por você, a proibição, ainda que primariamente de aspecto moral, reveste-se de argumentações de ordem social (ainda que equivocadas) para se justificar: as drogas são associadas com violência e crime, bigamia é associada com problemas familiares, principalmente para os filhos dessas relações.
    Mesmo que equivocadas e, na verdade, decorrentes mais do fato de a sociedade não ser estruturada para essas práticas, do ponto de vista do Estado, o argumento não é apenas o "moral". Mas usando o exemplo da bigamia, não há qualquer punição severa pra quem trai a namorada. Pra quem enrola uma e outra aqui e ali. Ninguém exige dessa pessoa: seja correto com sua namorada primeiro, para depois você ter direitos civis que as outras pessoas têm. Nerm mesmo o adultério é mais crime.

    ResponderExcluir
  4. Não adianta, até os gays foram marginalizados pelas regras heteronormativas. Afeminados, promíscuos, travestis, passivos e idosos homossexuais são agora as maiores vítimas desse grupo preconceituoso chamado gay.

    ResponderExcluir

Os comentários são moderados, mas não são censurados. Caso seu comentário não vá ser exibido, uma explicação será dada.

Que PI é essa?

Salvador sempre teve um público cativo de teatro que lota salas. Pelo menos, se estivermos falando de peças com atores globais. Não importa...