quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Câncer social

Nos anos 80, a cantora Via Negromonte cantava (e só eu lembro):
Preconceito
Não faz bem a ninguém
E sem ele
Penso o que seria do poder.
Preconceito
Já causou muito mal
Quem elege
Seres que decidem o que é normal

A música (que eu desesperadamente procuro em programas de compartilhamento sem sucesso) fazia uma clara alusão ao preconceito como instrumento de manutenção do status quo.
Os poderosos precisam ter e alimentar o preconceito, pois, como a letra continua a dizer, "quando os nossos não se dão outros ficam sem cair".
O preconceito divide a sociedade e nos faz brigar por diferenças ridículas como cor de pele, orientação sexual, religião, deixando de observar onde está o real foco de nossos problemas: políticos que desviam o dinheiro que poderiam alimentar, medicar e abrigar pessoas, que morrem, minguam ou partem para a marginalidade.
O preconceito tem um efeito tão devastador quanto o pão e o circo.

"A ação do governo não é só em defesa do interesse público, é da saúde da mulher também. Embora hoje câncer de mama seja uma doença masculina também. Deve ser consequência dessas passeatas gay"

Essa pérola foi dita pelo governador Roberto Requião e pretendia ser um gracejo. Infelizmente os vídeos exibidos não revelam qual foi a reação da platéia, mas a frase do governador é desastrosa em muitos sentidos.
Pra começar, deixa claro que a saúde da mulher não é interesse público, já que os distingue claramente no início da frase, como se fosse uma concessão do governo promover ações em defesa da saúde da mulher. E quais seriam esses interesses públicos que não envolvem o combate ao câncer da mama?
Depois, atribui aos gays a culpa pela causa de câncer de mama nos homens. Apesar de absurda e ridícula, a acusação reforça o preconceito. A AIDS ainda é chamada de "câncer gay", e muitos acreditam que foi uma praga divina contra os homossexuais. Quem pode medir o impacto que isso causou no ânimo de se procurar uma cura?
Por fim, a frase do governador estigmatiza os homens que tem câncer de mama. Se a ignorância já faz o homem se recusar a um exame de próstata, imagine reconhecer ter uma doença que é relacionada a mulheres e agora, graças ao governador, a gays! Quantos homens agora se recusarão a fazer qualquer exame quando a suspeita for câncer de mama, evitando o tratamento rápido que poderia levar à cura?
Será que o governador se preocupa com isso?
Claro que não. O governador se preocupa com o que ele entende como "interesses públicos" que, pelo visto, passa longe da saúde e da dignidade da populacão.

Para aqueles que, como eu no início, ainda tinha a esperança de que a frase pudesse estar mal interpretada, tirada de contexto ou ser um mal entendido, aqui vai o vídeo que nos mostra que, infelizmente, essa é a verdade. A verdade deles, pelo menos.

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