domingo, 13 de abril de 2008

Fatos da vida

Eu tinha... o quê?...13, 14 anos... Morava no Recanto do Cabula. Um dos conjuntos habitacionais que eram o sonho da casa própria da classe média baixa, ou "remediados", ou como se reconheciam os pobres daquela época.

Eu andava com a turma do pessoal que morava na parte de cima. Eu era o único da parte de baixa. Não havia essa denominação de parte de cima, ou parte de baixo, até porque o desnível era pouco, mas lembro que tinha uma praça que logicamente era para uns prédios e depois de uma pequena descida, outra praça que era pra outro grupo de prédios... mais adiante, acho, tinha uma outra praça, ou outro local onde os meninos dos prédios mais afastados se encontravam. Acho que não tinham muitos meninos da minha idade na parte de baixo, o fato é que a segunda pracinha não era freqüentada e eu era o único da turma que morava num prédio que, obviamente, não tinha sido estruturado para usufruir daquela primeira praça. Mas mesmo assim, minha afinidade foi aquela turma e não com outras.

No meu prédio tinha um garoto mais ou menos da minha idade. Um pouco mais velho. Como já expliquei, ele não era da minha turma, e eu nem lembro seu nome. Lembro que ele tinha mais um irmão e uma irmã, e era filho de uma fisioterapeuta.

Pois justamente esse garoto se inscreveu num curso preparatório para fazer o curso da Escola Técnica. Minha mãe andava preocupada com minha educação, porque eu estudava em eEscola pública e, já naquele tempo, o ensino era deficiente. Ela resolveu me matricular no curso para eu tentar a Escola Técnica no final do ano.

A contragosto, fui. Não que eu me interessasse por qualquer área que a Escola Técnica oferecia, mas eu sabia que com nossa condição financeira não poderia me dar ao luxo de fazer "o que gostava", e no final das contas, eu nem gostava de nada em especial ainda. Melhor ter um curso técnico, que me possibilitasse ganhar algum dinheiro, pra depois fazer uma Faculdade. Além do mais, eu realmente gostava de estudar e a idéia de fazer um curso não era desagradável.

Desagradável era ir até o Largo do Tanque duas vezes por semana. O curso era na laje da casa do professor, que morava com a mãe, ou uma tia, sei lá, uma senhora qualquer que agora eu nem lembro de já ter visto.

Conheci o professor na entrevista para entrar no curso. Sim, eu não era o único que não podia me dar ao luxo de ficar mais 3 anos num científico e mais 4 ou 5 numa faculdade sustentado pela família e até um cacete armado improvisado em casa tinha entrevista.

As primeiras perguntas foram tranqüilas, mas as últimas foram desconcertantes. Eram perguntas pessoais, e o sujeito, dizendo que queria ser um amigo, e falava coisas que um adolescente dos anos 80 não falava na frente de adultos... mas mentia compulsivamente na roda de amigos. Como o meu vizinho não era meu amigo, não comentei com ele sobre esse fato que achei curioso.

As aulas começaram e tudo ia normal. Meu vizinho parou de ir ao curso, ou mudou de horário, nem lembro. Até que um dia o professor disse que queria falar comigo depois das aulas. A gente tinha feito alguns testes e eu via ele conversando com alguns alunos depois da aula. Eu tinha ido bem no teste, na verdade ele elogiou a nota, então não entendia porque queria falar comigo.

Ele começou com um papo sobre confiança, sobre garotos ficarem adultos e outras coisas bobagens que me fizeram ficar em alerta. Era um tempo mais ingênuo que o atual, mas não era um tempo de estúpidos. Lembro de percorrer os olhos pela casa e ver que a única saída era a porta de entrada, que estava fechada com um portão a cadeado. Janela nem pensar, porque a casa era no segundo andar, sobre a garagem e, provavelmente, tinha grade também. Fiquei em pé e ele me parou com a mão. Tentou abrir meu zíper. Segurei a mão dele, mesmo sabendo que fisicamente não era páreo pra um adulto. Na verdade, eu era franzino e não era páreo para a maioria dos meninos de minha idade.

Percebi que estava perdido. A tal mãe ou tia, se existisse, não estava em casa. Ele continuou falando em tom calmo. Eu sentei de novo, vendo que a resistência física só iria irritá-lo. Ele disse que teve aquela conversa com outros garotos e que a reação deles tinha sido diferente. Falou do meu vizinho. Frisava como eles eram muito mais adultos que eu e que minha reação era de uma criança.

Com a voz mais calma pedi pra ir ao banheiro e ele permitiu. Entrei e tranquei a porta. Foi aí que ele percebeu o erro. A janela do banheiro era pequena e dificilmente eu passaria por ali, mas ela dava pra escada que era vista pela rua. Um menino gritando com a cabeça naquela janela certamente chamaria a atenção. Não sei se eu teria coragem de fazer aquilo, se suportaria o vexame, mas parecia uma alternativa.

Com a voz tentando parecer firme eu disse que queria ir embora. Ele falou mais algumas coisas. Falei tentado parecer mais firme ainda, sem gritar, com a voz trêmula e ele respondeu que tudo bem. Lembro que só abri a porta porque pela resposta eu percebi que ele estava longe da porta do banheiro. Ele ainda dizia que eu tinha entendido tudo errado. Ele abriu o portão e eu me apressei pra fora daquela casa, descendo a escada aos pulos.

Na rua, finalmente, desatei num choro. Como eu já disse, não era totalmente ingênuo com relação a essas coisas. Um ano antes, estava no conjunto e um homem apareceu perguntando se eu sabia onde era a casa de sei-lá-quem. Fiel aos conselhos de mamãe para não falar com estranhos, menti dizendo que não morava ali e me preparei para mudar o caminho, já que o sujeito estava parando bem na minha frente. Ele estendeu a mão e pegou no meu "pinto" (aos 12/13 anos a gente chama de outros nomes, mas olhando agora, esse termo é o mais adequado). Corri entrando no prédio de um amigo e tocando a campainha. Foi um susto e tanto, mas era algo pra se contar para os amigos. O tal sujeito era um "tarado", um inimigo, uma figura que devemos evitar como os ladrões, os vendedores de drogas, os seguranças de shopping e os diretores do colégio. Era de se esperar que "tarados" atacassem crianças e era nosso papel tomar cuidado com estranho e correr deles. Apesar de nunca ter me deparado com um desses antes, apesar de ter tomado um susto danado, era um dos fatos da vida que tarados existiam. Era como choque elétrico.

O pedófilo que tentou me atacar era diferente. Ele era um professor. Nunca me alertaram que eu deveria tomar cuidado com professores. Nunca me disseram que eles poderiam ser inimigos. Acho que minha mãe nunca pensou nisso. Ao que eu soubesse professores não mentiam nem nos faziam mal.

Não disse nada a ninguém. Nem aos meus amigos, nem a minha mãe, nem ao meu vizinho. Na verdade, era a única pessoa com quem eu tinha vontade de falar. Queria saber se era verdade o que o professor tinha dito, que tinha "conversado" com ele. Mas não tive coragem de falar com ninguém. Temia que não acreditassem em mim.

Parei de ir ao curso. Minha mãe não entendia. Fui ficando mais rebelde e já faltava às aulas da escola também. Quando minha mãe perguntava por que eu não queria fazer o curso, minhas respostas eram atravessadas e grosseiras. Um belo dia, depois de minha mãe sair para trabalhar (ela ensinava 3 turnos numa escola pública), chega em minha casa o tal professor. Disse que queria falar comigo, entender porque eu não ia mais ao curso. Eu estava em casa com meu irmão, 4 anos mais novo. Em defesa de minha mãe, ela sempre teve necessidade de me deixar só em casa, mas sempre contou com amizade de um ou outro vizinho mais próximo e sabia que numa emergência podíamos contar com eles. Também sempre nos alertou sobre os perigos. Pelo menos os que ela conhecia. Nunca tivemos problemas. Eu sabia que nada aconteceria ali, porque eu tinha os vizinhos em caso de necessidade, mas mesmo assim fiquei apavorado. Ele disse que minha mãe ligou pra ele, para conversarmos sobre o curso. Se ele tinha a confiança de minha mãe pra entrar em minha casa, eu nunca poderia falar nada contra ele. A princípio ele falou que eu tinha entendido tudo errado e que deveria voltar ao curso. Diante de minhas negativas, ele começou a dizer que ninguém nunca acreditaria em mim. Que ele diria que eu é que fora na casa dele e os outros meninos iriam dizer que isso nunca aconteceu com mais ninguém.

Durante anos, eu sequer lembrei desse fato. Por volta de 1995, do nada, esse episódio voltou à minha mente e eu estranhei ter esquecido isso por tantos anos.

Corte temporal. 2008. Exposição Star Wars. Numa sala de exposição de armas, um rapaz vestido de Jedi fala sobre os diferentes sabres de luz para algumas crianças. Os meninos fazem perguntas e ele responde à maioria. Para algumas, confessa, que "ninguém sabe". Então ele convida as crianças para irem ver a nave tal, em formato tringular, na sala escura. Uma sensação ruim tomou conta de mim. A sala escura era anterior àquela em que estávamos. Obviamente as crianças já tinham passado por lá e feito todas as perguntas aos outros contratados da exposição. Um dos meninos informou à mãe que iria na outra sala com o moço e ela, distraída olhando os figurinos da mãe de Luke Skywalker, ou sei lá quem era, concordou com a cabeça. Fiquei aflito. Cheguei a pensar em ir atrás e checar aonde eles tinham ido, na hora que o pai da criança chega e pergunta pelo filho. A esposa diz que ele saiu com um rapaz da exposição pra outra sala e o pai pergunta: "e você deixou ele ir só?" A mãe responde: "que é que tem?"

Tive vontade de dizer praquela mulher o que é que tinha. Por Deus, não estamos mais nos anos 80. Pedofilia é mostrada na TV toda semana. Todo dia, se for TV a cabo. Hoje não se pode mais ignorar os riscos de deixar um filho sozinho com um estranho... ou com um conhecido... até com um parente é arriscado, pelamordedeus, e aquela mulher deixou eles irem com um estranho de vestido!

As mães dos anos 70 e 80 não eram negligentes. Nos alertavam contra todos os perigos que elas conheciam. Apenas não podiam evitar o que nem imaginavam. A mãe de Joana Maranhão não tinha motivos pra desconfiar do técnico. As atuais, em sua maioria, passam longe disso. Esperam que as crianças aprendam tudo na televisão ou no google.

Talvez os pais precisem aprender algumas coisas. Talvez se visitassem os sites como o Brasil contra a pedofilia lessem notícias como essas:

  • Segundo o boletim de ocorrências da Polícia Civil, R.B.J, pai da criança teria introduzido os dedos na vagina da criança.
  • Um sacerdote católico, de 38 anos, foi preso em flagrante pela Brigada Militar na noite do último sábado, 16, no interior de uma igreja localizada na avenida Buarque de Macedo. Ele é suspeito de crime de pedofilia e atentado violento ao pudor. No ato da prisão, o acusado estava na garagem que faz parte do prédio da escola e está localizado ao lado da igreja. No local, ele seduzia uma menor de 12 anos.
  • As autoridades de Nevada (EUA) prenderam neste domingo Darren Tuck, acusado de mostrar a terceiros um vídeo pornográfico no qual aparece uma menina de três anos junto a um homem seminu, informou neste domingo a televisão local.
  • Desta vez, a vítima é uma garota de 13 anos, moradora da Zona Norte, que, após ser aliciada por um adulto no Orkut, site de relacionamentos, foi convencida a se despir diante do computador, sendo filmada por uma webcam.
E para quem só acredita no que vê na TV:



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Salvador sempre teve um público cativo de teatro que lota salas. Pelo menos, se estivermos falando de peças com atores globais. Não importa...