Uma imagem circulando no Facebook me
irritou muito. Mostrava imagens atribuídas a paradas gays, com as
frase:
"Homofobia é crime. Atentado
violento ao pudor, incentivo a promiscuidade, desacato,
aliciamento...
...também é!
Quer respeito? Se dê ao respeito!"
As fotos retratavam, em ordem: 3
homens se beijando, dois homens nus da cintura pra baixo, deitados no
asfalto, um travesti com seios à mostra, um homem nu correndo, outro
travesti com seios à mostra.
Por mais bem intencionada que a
campanha possa ser, e eu duvido que seja, a mensagem que passa é
clara: os homossexuais só podem ser respeitados quando pararem de se
comportar assim.
Ou seja, há uma condicionante à
concessão de direitos civis ao homossexuais pelos heterossexuais.
Coloca-se, na chamada, os heterossexuais como proprietários dos
direitos, que podem ser concedidos ao homossexuais, desde que eles se
comportem de acordo com padrões morais exigidos pela sociedade.
Tipo uma carta de alforria: o negro
poderia ter a liberdade inerente a todo homem branco desde que
pagasse o preço exigido por ela. (Posteriormente, desde que tivesse
o mérito de sobreviver até certa idade em que não fosse mais
produtivo e só desse despesa ao seu dono).
É algo como ser bonzinho e deixa
Rosa Park andar no mesmo ônibus que os brancos, desde que seja no
banco de trás.
Sim, porque comportamento moral pode
ser uma coisa boa, e sem dúvida que a vida em sociedade precisa de
padrões de comportamento em público, mas a questão é que não é
feita nenhuma exigência aos brancos de comportamento moral para que
eles tenham os seus direitos.
A exigência da moralidade é sempre
feita do ponto de vista da própria pessoa.
Quando uma mãe diz: "minha
filha, não saia dando pra todo mundo", ela adverte que a menina
deve se proteger da gravidez indesejada, do comentário malicioso da
tia, mas nunca porque "senão você não terá direito a se
casar". Nem o cartório, nem a mais puritana das igrejas,
rejeita o casamento a uma menina porque ela dava pra 5 numa noite, 3
vezes por semana.
Quando um pai diz pra um filho: "não
fique falando putaria o tempo todo, nem postando pornografia na
internet", ele está preocupado com a censura social que pode
atrapalhar até o futuro profissional do seu filho, mas em nenhum
momento o pai teme que seu filho perca direito a pensão, ser
incluído como dependente no plano médico da esposa, ou não tenha o
direito de ser pai por causa desse comportamento.
No fundo o que se está dizendo para
os homossexuais é: "para terem direitos, vocês devem provar
que conseguem fazer coisas que nem nós conseguimos, que tem padrões
mais elevados que os nossos, ai, talvez, a gente respeite vocês".
O que a mensagem diz é, "vocês já tem uma pontuação
negativa, por isso tem que se esforçar mais pra chegar ao nosso
nível".
Atos obscenos em público são crime
e devem ser punidos de igual forma para homossexuais e
heterossexuais. Ninguém tirou direitos civis de Cicarrelli porque
foi trepar numa praia. Ao contrário, houve quem defendesse seu
direito à "privacidade", mesmo praticando o ato em local
público. Será que se fossem duas lésbicas trocando carícias na
praia isso não seria motivo suficiente para pendê-las em defesa da
honra e da proteção de possíveis menores que ali aparecessem,
mesmo que não tivesse nenhum? E ainda diriam: "Tá vendo? Por
isso que somos contra vocês. Quer respeito? Dê-se ao respeito!"
Isso, por si só, desqualifica pra
mim a imagem, a mensagem, tudo que foi mostrado. Mas ainda há uma
análise que precisa ser feita. O que, afinal, é desrespeitoso na
imagem?
A segunda
e terceira fotos mostram homens sem roupa da cintura pra baixo, o que
é um atentado ao pudor. Deveriam ser detidos. Só não sei porque
relacionar esse tipo de comportamento à homossexualidade. Homens
tirando a roupa para se aparecer são constantes em jogos de futebol
no mundo inteiro e, ao que eu saiba, jogo de futebol não chega a ser
uma atividade tipicamente homossexual.
A
primeira foto mostra 3 homens se beijando. Não há sequer a certeza
de que estejam na rua, pois ao fundo se vê uma parede. Eles podem
estar num clube ou em um lugar fechado. Mas admitamos que estejam na
rua: eles estão “incentivando a promiscuidade”? Isso é ilegal?
Que eu saiba promiscuidade não é crime e não justifica tirar os
direitos alheios. Quem tem o direito de julgar a conduta dos 3
rapazes? Então agora vamos normatizar que só aceitamos
manifestações de beijos entre aquilo que achamos ser o “normal”:
2 pessoas, de sexos opostos, com diferença de idade aceitável, de
preferência da mesma etnia. Que tal? Para todos os outros,
declaramos que são aberrações e promíscuos.
E afinal,
o que é promíscuo? Repito aqui, um texto que escrevi numa postagem
anterior:
“... promíscuo significa (corram pro dicionário): "que ocorre por acaso; fortuito, eventual, ocasional". Ou seja, um simples espirro pode ser promíscuo. Claro, essa não é a única acepção da palavra. Promíscuo também significa: "misturado ou compartilhado com elementos de conduta reprovável ou suspeita". Algo, como o Congresso Nacional, se a gente pensar bem. Até aí, nada demais. Outra significado pra essa palavra: "constituído de elementos heterogêneos juntados desordenadamente; misturado, mesclado, baralhado". Essa descrição não serviria para a mais casta das Igrejas Evangélicas?
Como podemos ver, ao menos na definição do Houaiss, não há nada de errado na promiscuidade,mas aconselho a todos que se não se candidatem a cargos eletivos. “
Por fim,
as outras duas fotos trazem travestis com seios de fora. Seios de
fora é ato obsceno? Cadê essas pessoas gritando contra a Globeleza,
contra a Juliana Paes, contra o carnaval?
O
problema das fotos não são os atos, são as pessoas que os praticam
e isso é evidente. A foto é postada na página “Orgulho de Ser
Hetero”. A maioria pensaria: o que há demais? Afinal se fala em
orgulho gay, porque não em orgulho hetero?
A
diferença, que alguns fingem ignorar, mas que é evidente, é que
quando se fala em orgulho gay, como em 100% negro, está se falando
de uma reação contrária a uma ação de desvalorização daquele
indivíduo. Orgulho gay é uma resposta necessária a um sentimento
de vergonha de ser gay que a sociedade impõe e que leva jovens ao
suicídio, a uma vida de culpa, a uma infelicidade de viver de forma
clandestina. O termo orgulho gay não é uma reação à
heterossexualidade dominante, mas ao massacre do ego dos
homossexuais.
Não
existe nenhum ato, nenhum pensamento, nenhuma lei no mundo, nenhuma
conduta social, política ou religiosa que sequer insinue ser
desonroso ou motivo de vergonha ser heterossexual. Daí que o tal
“orgulho hetero” não é resposta a nada, senão uma ação
preconceituosa que pretende desqualificar as ações de busca de
direito dos homossexuais, sob uma capa de “moralidade”,
“respeitabilidade”, exigindo dos homossexuais uma conduta que não
é exigida dos heterossexuais para que tenham os mesmos direitos.
A imagem
e o texto remetem ao lema “direitos tem, quem direito anda”,
usado pela ditadura militar brasileira para justificar o desrespeito
a direitos civis de parte da população. Os direitos são concedidos
a quem age “direito”, segundo os critérios dos ditadores, como
agora querem que o respeito seja dado a quem “se respeita”,
segundo o critério dos moralistas.
Mutatis mutantis, descriminalização JÁ! Do uso de drogas, da atividade do rufião, da bigamia... porque se o problema moralidade não é moralismo.
ResponderExcluirNa verdade, no texto, não há proposta de descriminalizar nada. Inclusive, disse que o que for crime, deve ser punido.
ResponderExcluirMas relatei que, das situações mostradas, apenas uma é tipificada e, mesmo assim, não é justificativa para a quebra dos outros direitos.
Quanto aos exemplos citados por você, a proibição, ainda que primariamente de aspecto moral, reveste-se de argumentações de ordem social (ainda que equivocadas) para se justificar: as drogas são associadas com violência e crime, bigamia é associada com problemas familiares, principalmente para os filhos dessas relações.
ResponderExcluirMesmo que equivocadas e, na verdade, decorrentes mais do fato de a sociedade não ser estruturada para essas práticas, do ponto de vista do Estado, o argumento não é apenas o "moral". Mas usando o exemplo da bigamia, não há qualquer punição severa pra quem trai a namorada. Pra quem enrola uma e outra aqui e ali. Ninguém exige dessa pessoa: seja correto com sua namorada primeiro, para depois você ter direitos civis que as outras pessoas têm. Nerm mesmo o adultério é mais crime.
Não adianta, até os gays foram marginalizados pelas regras heteronormativas. Afeminados, promíscuos, travestis, passivos e idosos homossexuais são agora as maiores vítimas desse grupo preconceituoso chamado gay.
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